Na ¨²ltima d¨¦cada, o Brasil deu um exemplo para o mundo de como conjugar o aumento da renda e a estabilidade macroecon?mica a um n¨ªvel mais elevado de inclus?o social e redu??o da pegada ambiental. Entre 2003 e 2013, a pobreza e a desigualdade tiveram redu??es acentuadas, resultado do r¨¢pido aumento da taxa de empregos formais, sal¨¢rios reais mais elevados e pol¨ªticas de assist¨ºncia social inclusivas como o Bolsa Fam¨ªlia. Houve melhora no acesso ¨¤ educa??o, sa¨²de, recursos h¨ªdricos e saneamento, principalmente entre os 40 por cento mais pobres da popula??o. Ao mesmo tempo, o Brasil reduziu o desmatamento em 82% entre 2004 e 2014. Ap¨®s d¨¦cadas de desenvolvimento desigual, parecia que o Brasil havia finalmente conseguido conjugar crescimento, estabilidade, equidade e sustentabilidade ambiental.
Hoje, a profunda crise econ?mica enfrentada pelo Brasil amea?a essas conquistas. O que deu errado? Em parte, o fato do sucesso brasileiro ter sido constru¨ªdo em bases vol¨¢teis. O fim do super-ciclo das commodities enfraqueceu o modelo de crescimento atrelado ao consumo no Brasil. Os esfor?os do governo para estimular a demanda v¨ºm tendo pouco impacto e um custo fiscal cada vez mais elevado. O retorno dos d¨¦ficits p¨²blicos e a crescente incerteza pol¨ªtica minaram a confian?a no pa¨ªs e o submergiram na pior recess?o em d¨¦cadas.
No entanto, h¨¢ desafios estruturais mais profundos por tr¨¢s das dificuldades econ?micas enfrentadas atualmente pelo Brasil. Recentemente, em um diagn¨®stico amplo dos desafios de desenvolvimento do pa¨ªs, identificamos cinco grandes restri??es que o Brasil precisa superar para retomar o caminho da inclus?o, do crescimento e da sustentabilidade. A supera??o dessas restri??es n?o ser¨¢ f¨¢cil. Em todas as ¨¢reas, no entanto, o Brasil pode construir sobre as realiza??es do passado e lan?ar m?o de experi¨ºncias internacionais ao tra?ar o caminho ¨¤ frente.
Em primeiro lugar, os grandes disp¨ºndios com a popula??o n?o-pobre - consagrados na lei atrav¨¦s de vincula??es or?ament¨¢rias e regras de indexa??o - minam a estabilidade fiscal, reduzem o espa?o para investimentos p¨²blicos e limitam os recursos dispon¨ªveis para pol¨ªticas socialmente inclusivas. Por exemplo, em 2014 os gastos dos dois regimes p¨²blicos de previd¨ºncia foram seis vezes maiores do que todas as presta??es de seguridade social, incluindo as pens?es rurais. A reforma do sistema previdenci¨¢rio ou a redu??o de subs¨ªdios desnecess¨¢rios a empresas geraria uma economia de recursos suficiente para reduzir os d¨¦ficits fiscais e tamb¨¦m ampliar as transfer¨ºncias aos pobres, que s?o os que mais sofrem com os efeitos da recess?o.
Em segundo lugar, as fragilidades da governan?a do setor p¨²blico e a fragmenta??o institucional dificultam a formula??o, o planejamento e a implementa??o de pol¨ªticas de longo prazo. Por exemplo, embora o n¨ªvel de acesso tenha aumentado consideravelmente nas ¨²ltimas duas d¨¦cadas, a qualidade dos servi?os de sa¨²de e educa??o no Brasil permanece baixa. A inefici¨ºncia ¨¦ grande e muitas vezes faltam (ou s?o ignoradas) evid¨ºncias concretas de quais pol¨ªticas funcionam e quais n?o. Isto tamb¨¦m vale para os grandes programas de infraestrutura, que v¨ºm sofrendo com custos excessivos e atrasos e n?o conseguem preencher a lacuna de infraestrutura do pa¨ªs. No entanto, o nosso trabalho com v¨¢rios governos estaduais demonstra que ¨¦ poss¨ªvel melhorar a qualidade da presta??o de servi?os - desde a educa??o no Rio de Janeiro e em Pernambuco, at¨¦ a gest?o de recursos h¨ªdricos no Cear¨¢, ¨¤s reformas das compras p¨²blicas no Amazonas. A aprendizagem com estes casos de sucesso e sua amplia??o podem melhorar os servi?os p¨²blicos e economizar recursos.
Em terceiro lugar, a segmenta??o dos mercados financeiros, a falta de cr¨¦dito de longo prazo e as taxas de juros elevadas podem distorcer a aloca??o de capital e dificultar os investimentos privados. Essas distor??es aumentaram recentemente com a expans?o das linhas de cr¨¦dito oferecidas pelos bancos p¨²blicos. No futuro, usar os bancos p¨²blicos para atrair financiamento privado reduzindo os riscos, ao inv¨¦s de subsidiar o custo do cr¨¦dito, talvez seja a melhor op??o a seguir.
Em quarto lugar, a concorr¨ºncia insuficiente e um ambiente de neg¨®cios deficiente diminuem o apetite dos investidores e desaceleram a cria??o de empregos produtivos. O Brasil continua sendo a mais fechada entre as principais economias do mundo, atr¨¢s da maioria de seus pares na qualidade do seu ambiente de neg¨®cios. Muitas empresas brasileiras s?o de pequeno porte, com gest?o ineficiente e poucos incentivos para crescer e aumentar a produtividade. Ainda assim, certas empresas brasileiras - como a Embraer - conseguiram se destacar por sua inova??o e dilig¨ºncia. Os empres¨¢rios brasileiros precisam aprender com os melhores para conseguirem competir no mercado global. A concorr¨ºncia seria mais f¨¢cil se o ambiente empresarial fosse mais competitivo e a infraestrutura fosse aprimorada para reduzir o custo de penetra??o nos mercados mundiais.
Em quinto lugar, as defici¨ºncias na gest?o dos recursos naturais no Brasil prejudicam a plena explora??o do potencial de crescimento verde do pa¨ªs. Os principais problemas est?o relacionados ¨¤ fragmenta??o institucional, ¨¤s pol¨ªticas de precifica??o da ¨¢gua e de outros recursos naturais e ¨¤ urbaniza??o mal planejada, com assentamentos informais em situa??o de risco de inunda??o, contamina??o e outros problemas de sa¨²de. Por¨¦m, dotado de um arcabou?o adequado de pol¨ªticas, o Brasil pode se valer do seu papel de l¨ªder em negocia??es internacionais sobre o clima para atrair financiamento verde e instituir um novo motor de crescimento sustent¨¢vel.
Os problemas estruturais do Brasil j¨¢ existem h¨¢ muito tempo. A resolu??o desses problemas n?o pode mais ser adiada, mesmo que ainda n?o haja consenso no caminho a ser seguido. O Brasil j¨¢ introduziu inova??es importantes em suas pol¨ªticas com base em amplo consenso pol¨ªtico e forte monitoramento - alguns dos exemplos mais proeminentes s?o a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Programa Bolsa Fam¨ªlia e a redu??o do desmatamento na Amaz?nia. Espera-se que o pa¨ªs consiga faz¨º-lo novamente.