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REPORTAGEM 19 de maio de 2021

Deslocamento no Brasil: ajudando os formuladores de pol¨ªticas a melhorar a inclus?o econ?mica e social dos venezuelanos

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Fam¨ªlia de migrantes venezuelanos no Brasil. 

ACNUR / Felipe Irnaldo


Um novo estudo do Banco Mundial e da Ag¨ºncia da ONU para Refugiados (ACNUR) revela que os adultos venezuelanos t¨ºm 64% menos probabilidade de trabalhar no setor formal; e as crian?as, 53% menos probabilidade de frequentar a escola

T¨¦cnica audiovisual de uma emissora venezuelana de televis?o local, Carolina* fugiu para o Brasil com o marido e a filha em busca de comida, trabalho e educa??o. Desde que chegou ao pa¨ªs, tem se dedicado a aprender portugu¨ºs, a confeccionar e vender pe?as de artesanato, como bonecas, para ganhar a vida.

Ela ¨¦ o exemplo perfeito do que os venezuelanos deslocados enfrentam para se adaptar ¨¤ vida em outros pa¨ªses.

Desde 2015, cerca de 5,6 milh?es de venezuelanos deixaram suas casas devido ao agravamento da crise econ?mica e social no pa¨ªs. Desse total, estima-se que 260.000 vivam atualmente no Brasil. Um novo estudo do Banco Mundial e da Ag¨ºncia das Na??es Unidas para os Refugiados (ACNUR) analisou o acesso dessa popula??o ¨¤ educa??o, prote??o social e mercado de trabalho no Brasil. Os resultados mostram uma realidade chocante: embora tenham o mesmo n¨ªvel de escolaridade que os brasileiros, os adultos venezuelanos t¨ºm 64% menos chances de trabalhar em empregos formais, e as crian?as, 53% menos chances de ir ¨¤ escola.

¡°Analisamos v¨¢rios dados administrativos e censit¨¢rios de 2017 a 2020 para explorar se os refugiados e migrantes venezuelanos enfrentam acesso diferenciado ¨¤ educa??o, ao mercado de trabalho formal e a programas de prote??o social. Nosso objetivo ¨¦ ajudar os formuladores de pol¨ªticas e ag¨ºncias de desenvolvimento e humanit¨¢rias a melhorar o desenho dos programas existentes para fornecer maior inclus?o econ?mica e social para os venezuelanos em sua comunidade anfitri?¡±, disse Pablo Acosta, o l¨ªder do programa no Banco Mundial e coautor do relat¨®rio ¡°Integra??o de refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil¡±, em parceria com a especialista em prote??o social Rovane Battaglin Schwengber, a World Bank Young Fellow Mrittika Shamsuddin e os economistas do ACNUR Jedediah Fix e Nikolas Pirani.

A popula??o deslocada venezuelana no Brasil equivale a 18% da parcela total do 1,3 milh?o de refugiados e migrantes do pa¨ªs. Al¨¦m dos 46.923 venezuelanos reconhecidos como refugiados, h¨¢ 96.556 requerentes de asilo, segundo os dados mais recentes do CONARE e da Pol¨ªcia Federal. Somando esses dois n¨²meros, h¨¢ 156.300 refugiados e requerentes de asilo da Venezuela, enquanto 145.462 t¨ºm autoriza??o de resid¨ºncia.

O Brasil oferece acesso universal ¨¤ educa??o, sa¨²de e prote??o social, independentemente da situa??o legal. No entanto, muitos refugiados e migrantes venezuelanos ainda enfrentam barreiras para se inscrever no sistema p¨²blico de educa??o, em programas de prote??o social e no mercado de trabalho formal. De acordo com o relat¨®rio, apenas 10% da popula??o venezuelana em idade produtiva no Brasil consegue acessar o mercado de trabalho formal.

A realidade ¨¦ ainda mais dif¨ªcil para as mulheres. ¡°Em m¨¦dia, as venezuelanas t¨ºm 75% menos probabilidade de ter um emprego no setor formal, em compara??o com as brasileiras, e os venezuelanos t¨ºm 65% menos probabilidade do que os brasileiros de conseguir um emprego formal.¡± compara Mrittika Shamsuddin.

¡°A integra??o no exterior ¨¦ um processo de longo prazo que requer uma abordagem hol¨ªstica e multissetorial para ser eficaz, principalmente quando se trata de refugiados¡±, destaca o economista do ACNUR e coautor do relat¨®rio Nikolas Pirani. ¡°? por isso que a ACNUR une os talentos e capacidades dessas pessoas com as demandas do setor privado, garantindo uma situa??o vantajosa para ambos os refugiados e as comunidades anfitri?s¡±, acrescenta.

Naturalmente, a pandemia tamb¨¦m causou sua parcela de impacto dram¨¢tico no j¨¢ desafiador cen¨¢rio de subsist¨ºncia de refugiados e migrantes. A an¨¢lise dos dados de 2021 infere que quem est¨¢ fora do mercado de trabalho tem acesso ao Bolsa Fam¨ªlia como forma de sobreviver e se estabelecer no Brasil. No entanto, o estudo mostra que os venezuelanos t¨ºm 30% menos chances de serem inscritos no programa em compara??o aos brasileiros. ¡°Dos benefici¨¢rios do Bolsa Fam¨ªlia, 42% possuem ensino m¨¦dio e 15% ensino superior, ante 19% dos brasileiros com ensino m¨¦dio e 1% com ensino superior¡±, revela Rovane Schwengber.

Quanto ¨¤ educa??o, 42% das crian?as venezuelanas est?o matriculadas na escola. Mas mesmo quando participam, passam por rebaixamento de notas e restri??es de capacidade, tornando mais dif¨ªcil fazer parte de capital humano produtivo e tornar as gera??es futuras autossuficientes. ¡°Eles s?o mais propensos a frequentar escolas superlotadas do que seus colegas da comunidade anfitri? e mais propensos a fazer trabalhos inferiores caracterizados pela temporalidade, sal¨¢rios mais baixos e mais horas trabalhadas¡±, diz Schwengber.


"Na Venezuela eu n?o era rica, mas tinha um bom emprego, tinha uma casa, tudo"
Ism¨ºnia Elena Beria
Enfermeira venezuelana, hoje vivendo no Brasil

Principal porta de entrada dos venezuelanos no Brasil, o estado de Roraima experimentou relevante crescimento econ?mico durante o per¨ªodo de intensifica??o do fluxo venezuelano, de 2016 a 2017, segundo o estudo ¡°A economia de Roraima e o fluxo venezuelano: evid¨ºncias e subs¨ªdios para pol¨ªticas p¨²blicas", realizado pelo ACNUR e Funda??o Get¨²lio Vargas (FGV). ¡°Roraima teve um crescimento significativo na produ??o de bens agr¨ªcolas, incluindo castanha do Brasil e alguns itens da pecu¨¢ria, um sinal de que a integra??o ¨¦ t?o boa para o migrante quanto para o pa¨ªs anfitri?o. O afluxo de refugiados e migrantes venezuelanos ao Brasil ¨¦ uma crise humanit¨¢ria e um desafio de desenvolvimento, mas tamb¨¦m uma excelente oportunidade de desenvolvimento social e econ?mico¡±, atesta Pirani.

Para reduzir o impacto na infraestrutura de Roraima, e tamb¨¦m considerando mais oportunidades de absor??o social e econ?mica em todo o pa¨ªs, um dos pilares da resposta federal ¨¤ emerg¨ºncia, a Opera??o Acolhida ¨¦ a realoca??o volunt¨¢ria de venezuelanos para outras cidades brasileiras.

¡°Em mar?o, o programa completou tr¨ºs anos e atingiu a marca de 50 mil benefici¨¢rios. Apesar do COVID-19, as realoca??es n?o pararam no ano passado. Desde o in¨ªcio da pandemia, mais de 1.000 venezuelanos foram realocados com seguran?a a cada m¨ºs. No total, 675 munic¨ªpios receberam refugiados e migrantes, aumentando as oportunidades de integra??o em todo o pa¨ªs ¡±, conta Pirani.

Uma dessas benefici¨¢rias ¨¦ Ism¨ºnia Elena Beria, enfermeira de 48 anos que atualmente mora na capital, Bras¨ªlia. Ela veio ao Brasil no in¨ªcio de 2018 em busca de tratamento para o c?ncer de tireoide, deixando o marido, os filhos e a carreira de enfermagem para tr¨¢s. Depois de morar no abrigo provis¨®rio em Roraima por quase um ano e meio, seu tratamento foi conclu¨ªdo com sucesso, assim como a oportunidade de ser realocada.

¡°Na Venezuela eu n?o era rica, mas tinha um bom emprego, tinha uma casa, tudo¡±, diz ela. Agora, ela trabalha em uma franquia de uma rede de fast-food do Distrito Federal. Longe da fam¨ªlia desde que chegou, aguarda a abertura da fronteira para traz¨º-los para o Brasil.

Em um esfor?o para ajudar a melhorar a integra??o, os autores apresentaram as principais conclus?es do relat¨®rio em uma reuni?o com a Casa Civil do Governo Federal do Brasil, que coordena as iniciativas governamentais em rela??o aos refugiados e migrantes, e representantes de todas as organiza??es e entidades envolvidas no programa. ¡°Estamos preparando agora um novo estudo para analisar o programa de integra??o e identificar quais s?o os principais entraves que impedem essa popula??o de entrar no mercado de trabalho brasileiro. Esperamos que nossas recomenda??es possam ajudar os venezuelanos a encontrar um lar no Brasil¡±, diz Acosta.

O relat¨®rio faz parte do programa "Construindo as Evid¨ºncias sobre Deslocamento For?ado: Uma Parceria com M¨²ltiplas Partes Interessadas'', financiado pela ajuda do Reino Unido do Foreign, Commonwealth, and Development Office (FCDO) do Reino Unido. ? administrado pelo Grupo do Banco Mundial (WBG) e foi estabelecido em parceria com o Alto Comissariado das Na??es Unidas para Refugiados (ACNUR).

* O nome foi alterado para proteger a privacidade da entrevistada



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