Como os impactos humanos nos ecossistemas globais contribu¨ªram para as zoonoses?
In¨²meros fatores contribuem para o surgimento de novas zoonoses (doen?as causadas por agentes infecciosos compartilhados entre pessoas e animais) ou para o aumento de doen?as zoon¨®ticas que antes eram raras ou limitadas a pequenas ¨¢reas e comunidades. A maioria est¨¢ relacionada ao desequil¨ªbrio ambiental, perturba??o das comunidades biol¨®gicas, mobilidade de pessoas e mercadorias e mudan?as clim¨¢ticas.
A COVID-19, a emerg¨ºncia viral global que estamos enfrentando atualmente, ¨¦ apenas o exemplo mais recente de uma zoonose. H¨¢ alguns outros exemplos conhecidos.
A perda de habitat natural e o desmatamento associados ¨¤ expans?o de estradas, gasodutos, condom¨ªnios de luxo, monocultura intensiva, agricultura e outros avan?os aumentam o contato entre humanos e animais selvagens. Isso provoca surtos de doen?as transmitidas por vetores, como a Leishmaniose (espalhada pelo mosquito-palha) e outras pelo mundo.
O desenvolvimento de represas e minas hidrel¨¦tricas e outras grandes obras de infraestrutura est¨¢ frequentemente associado ¨¤ ¨¢gua parada, que por sua vez est¨¢ associada ao aumento de mosquitos transmissores da mal¨¢ria e ¨¤ propaga??o da doen?a na Am¨¦rica do Sul e na ?frica.
Da mesma forma, o aumento da ocorr¨ºncia e da intensidade dos inc¨ºndios empurra a vida selvagem para a periferia das ¨¢reas rurais e urbanas, onde animais dom¨¦sticos, colheitas, lixo e pessoas s?o fontes de alimento e abrigo. Estudos confirmam que a fuma?a dos inc¨ºndios florestais levou ao deslocamento de morcegos frug¨ªvoros (comedores de frutas) para terras agr¨ªcolas na Mal¨¢sia e em partes da ?sia, causando surtos do v¨ªrus Nipah. Juntamente com outros fatores, essas condi??es tamb¨¦m parecem explicar o aumento de picadas de morcego e raiva em humanos e no gado na regi?o amaz?nica.
Por meio do com¨¦rcio e do tr¨¢fico, a carne de animais selvagens e silvestres e seus pat¨®genos s?o distribu¨ªdos por toda parte, intensificando o contato com os seres humanos e aumentando significativamente as chances de transmiss?o de doen?as. Esses fatores explicam a expans?o geogr¨¢fica dos surtos de Ebola e parecem explicar o surgimento do SARS-CoV-2 (a cepa do coronav¨ªrus que causa a COVID-19).
Finalmente, as mudan?as clim¨¢ticas desempenham um papel no surgimento de zoonoses, alterando a temperatura global, bem como as correntes atmosf¨¦ricas e marinhas que permitem a propaga??o de agentes e vetores infecciosos. Tamb¨¦m liberam pat¨®genos armazenados nas calotas polares e redefinem as rotas migrat¨®rias das esp¨¦cies hospedeiras, o que permite que os pat¨®genos escapem de seu habitat.
Voc¨º pode compartilhar conosco exemplos da pesquisa do Centro sobre surtos de doen?as infecciosas emergentes?
H¨¢ 35 anos, trabalho e conduzo pesquisas no semi¨¢rido da Caatinga, no nordeste do Brasil. Estudamos a ocorr¨ºncia e semelhan?a dos vermes intestinais entre can¨ªdeos selvagens e c?es dom¨¦sticos em ¨¢reas degradadas do meio ambiente. Tamb¨¦m comparamos gado, cabras e ovelhas. Descobrimos que os animais que permanecem em seus territ¨®rios naturais s?o menos expostos ¨¤ infec??o por parasitas de outras esp¨¦cies. ? medida que os animais selvagens se aventuram em ¨¢reas antropizadas (povoadas por seres humanos), eles s?o expostos ¨¤ infec??o por parasitas de diferentes hospedeiros e tamb¨¦m h¨¢ aumento do risco de zoonoses. Nossos estudos mostram que na Caatinga, ¨¢reas altamente degradadas fortalecem a perman¨ºncia de pat¨®genos com alta capacidade de transmiss?o.
Na Amaz?nia, observamos v¨¢rios surtos do v¨ªrus New Castle em galinhas pertencentes ¨¤s comunidades ao longo do rio Tapaj¨®s. Os projetos de expans?o incentivaram a sua cria??o como uma alternativa proteica, sem considerar seu potencial de disseminar v¨ªrus para aves selvagens, especialmente esp¨¦cies migrat¨®rias, nem avaliar o risco de dissemina??o do v¨ªrus da influenza.
Quais s?o alguns sistemas e recursos inovadores em que o Centro ¨¦ pioneiro? Como eles contribuem para a de alcan?ar a sa¨²de ideal para pessoas, animais e meio ambiente?
Nossa experi¨ºncia mostra que o monitoramento de animais selvagens no campo pode detectar a transmiss?o de pat¨®genos zoon¨®ticos antes que causem doen?as em seres humanos. Para fortalecer a vigil?ncia e preserva??o da sa¨²de, o CISS desenvolveu o (Sistema de Informa??o em Sa¨²de Silvestre), uma ferramenta online de ci¨ºncia cidad? para que os usu¨¢rios reportem fotos e informa??es de animais selvagens que identifiquem anormalidades. Ela tamb¨¦m pode emitir alertas em tempo real. Isso ajuda a investigar a circula??o de agentes infecciosos antes de eles serem transmitidos ¨¤s pessoas.
Utilizamos os recentes surtos de febre amarela silvestre no Brasil - - para avaliar a capacidade do sistema para prevenir e controlar a doen?a. O registro de macacos mortos ou doentes no SISS-Geo ajudou a confirmar as rotas de dispers?o de transmiss?o dois meses antes da doen?a chegar aos seres humanos, permitindo que o governo vacinasse pessoas em ¨¢reas priorit¨¢rias. Aprendemos que podemos salvar vidas humanas e ajudar a preservar a biodiversidade por meio de a??es e tecnologias comunit¨¢rias participativas.
O que pode ser feito para evitar futuras pandemias?
Os ecossistemas nos fornecem recursos naturais dos quais dependemos, mas eles s?o limitados. Seu colapso parece iminente, a menos que tomemos medidas imediatas para reorganizar nosso modo de vida e reformular o desenvolvimento de maneira a preservar a natureza e impedir pandemias. Algumas maneiras de fazer isso:
- Coordenar esfor?os para reduzir a perda de esp¨¦cies e preservar ¨¢reas naturais grandes e saud¨¢veis. Elas ser?o nossa maior chance de sobreviv¨ºncia em um futuro pr¨®ximo.
- Diminuir fortemente o tr¨¢fico e o com¨¦rcio de animais silvestres, bem como a cria??o intensiva e mal gerenciada de animais selvagens, para impedir a propaga??o e transmiss?o de zoonoses.
- Investir em boas pr¨¢ticas em sistemas agr¨ªcolas integrados, produ??o de org?nicos e esp¨¦cies nativas e produ??o local.
- O mundo deve se esfor?ar para reduzir as mudan?as clim¨¢ticas e seu impacto imprevis¨ªvel.